Carlos Lyra e Fernanda Takai
A Bossa Nova está completando 50 anos neste ano e, para comemorar, grandes nomes da música brasileira se encontraram em um show inesquecível nas areias de Ipanema, no dia 1º de março, no Rio de Janeiro.
Quem esteve presente pôde relembrar músicas marcantes, como Chega de Saudade (Tom Jobim / Vinicius de Moraes), na voz de Emílio Santiago, Barquinho (Roberto Menescal / Ronaldo Bôscoli), na voz de Fernanda Takai, além de novas composições, como Aonde a Coruja Dorme, de João Donato e Joyce, interpretada pelos próprios.
Não se sabe qual foi o momento exato que surgiu a Bossa Nova, mas sua estréia é contada a partir do ano de 1958, quando Elizeth Cardoso lança o disco Canção do Amor Demais. Na obra, ela interpreta composições de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. No mesmo ano, Chega de Saudade - 78 rpm chega às lojas com o clássico de Tom e Vinicius, que leva o mesmo nome do disco, e Bim-bom, de João Gilberto, com sua inovadora batida de violão.
Muitos são os pais da Bossa Nova. Há algumas versões para quem a inventou, como a que o cantor e compositor Carlos Lyra deu para o Cultura Etc.
Não existem pais da Bossa Nova, nem ela nasceu na casa da Nara Leão nem em lugar nenhum que não fosse na zona Sul do Rio de Janeiro, precisamente em Copacabana. Então seus pais são um monte de gente que foi atingida pela necessidade de fazer uma música nova.
O cantor, instrumentista e arranjador João Donato completa.
Os jovens se reuniram por casualidade ou por coincidência. Nós nos admirávamos mutuamente, como João Gilberto, Tom Jobim, Baden Powell, Carlos Lyra, Bôscoli, Roberto Menescal, Johnny Alf, Nara Leão etc. Copacabana era o centro dos acontecimentos noturnos no Brasil e fervia naquela época. Todos tocavam ao vivo, faziam muitos shows. Cantores internacionais vinham muito se apresentar e Copacabana era a capital do divertimento no Rio de Janeiro. Acabou que muitos lugares trabalhavam com músicas populares, comerciais, para faturar mais. Então preferimos ir a locais menos freqüentados, onde as músicas eram menos populares, como o Hotel Plaza. Lá tocavam Durval Ferreira, João Gilberto, Roberto Carlos, Elza Soares. Nem profissionais éramos ainda. E o movimento da Bossa Nova surgiu assim.
O país vivia seus melhores dias. Não é à toa que os anos cinqüenta são conhecidos como "anos dourados".
Em 1956, o Brasil conhecia seu mais novo presidente, o mineiro Juscelino Kubitschek, que promete desenvolver 50 anos de Brasil em 5. A economia estava a todo vapor, assim como a literatura, o cinema, o teatro, os esportes e assim vai.
Já em 1960, Brasília é inaugurada como a capital do país. Mais promessas de desenvolvimento à vista!
Existe, inclusive, uma história de que desse momento saiu a primeira música de Bossa Nova em homenagem a Juscelino. O cantor e compositor Billy Blanco havia feito um sambinha, chamado Não Vou, Não Vou Pra Brasília, e Chico Feitosa musicou uma letra que falava da vida na nova cidade, chamada Paranoá. E assim a Bossa Nova foi criando forma.
De 60 até 63 tínhamos a promessa de que o Brasil ia ser o país mais importante do mundo. Estávamos caminhando para ser o primeiro mundo. Tudo funcionava. Nós éramos campeões de futebol, de basquete, tínhamos a miss Universo (Ieda Maria Vargas) éramos campeões de boxe, com Eder Jofre, de tênis, com a Maria Ester Bueno, de literatura, de arquitetura, de tudo! E quando estávamos prontos, veio o golpe e acabou o Brasil daquela época e até hoje não se levantou, lamenta Carlos Lyra.
Realmente a ditadura mudou todo o rumo cultural do país. Mas quem pensa que só houve coisas ruins, engana-se.
Devido a todo o momento de tensão que o país vivia, os compositores passaram a escrever sobre política. Se antes os temas eram basicamente amor, após o golpe, intelectuais, não só da música, se uniram para usar seus instrumentos de trabalho, isto é, as palavras, para protestar contra o sistema político vigente.
Como artistas, entendemos que, dado à falta de liberdade de imprensa cada vez maior, teríamos que tentar burlar a censura e dizer umas coisas que o povo precisava ouvir. Então a gente passou a se reunir muito com cineastas, com o pessoal do teatro, todos ligados às artes pra saber o que podia ser feito para acabar com a ditadura, conta, para o Cultura Etc., o cantor e compositor Marcos Valle. Por pior que fosse a ditadura aquilo nos estimulava a querer fazer coisas. A gente queria lutar, a gente queria dizer. Então a gente criava frases que eles não iam entender, com duplo sentido, completa.
Há quem acredite que a Bossa Nova perdeu seu encanto, que é coisa dos mais velhos. A verdade é que o cenário cultural é outro. Hoje existem as grandes gravadoras, que fazem da música um grande comércio. Há, sim, hoje, uma dificuldade maior de gravar, de fazer shows, mas não são motivos para "matar" a Bossa Nova.
Acho que a Bossa Nova cada dia encontra mais seu encanto. É lógico que tem a Bossa tradicional, e que continua tendo o mesmo encanto, como João Gilberto, que sempre mantém a mesma linha. Mas também existe Carlinhos Lyra, Roberto Menescal, e eu, que fazemos coisas mais novas, modernas. A Bossa tem uma sofisticação que permite que misture outras coisas e continua criando coisas novas. Tem uma gente nova muito boa, como Celso Fonseca, Bossacucanova e Fernanda Takai. Então existe um novo interesse na Bossa Nova. A gente mantém o que tinha, os temas são gravados e regravados e ao mesmo tempo estão surgindo músicas e show novos. Agora então, com os 50 anos da Bossa Nova, eu acho que é a nossa grande consagração, comenta um Marcos Valle animado.
O fato é que a Bossa Nova é venerada na Europa, no Japão e nos EUA. Existem lojas especializadas nesse estilo. Aliás, a música brasileira, em geral, é muito valorizada lá fora.
O que acontece é que estamos acostumados a viver de modismos aqui. Há muita coisa boa espalhada pelo país, mas, para fazer sucesso, vai depender, muitas vezes, de grandes gravadoras e empresários. Eles vão decidir o que vai vender ou não.
O Brasil deixou que as grandes gravadoras tomassem conta de uma coisa muito importante, que é a parte de produção cultural. Se o Brasil produzir as coisas direitinho, tomamos conta da música do mundo, declara Hamilton de Godoy, da banda Zimbo Trio.
Mas a Bossa resiste e a prova disto foi esse show realizado no dia 1º de março, em Ipanema. Marcada no dia do aniversário do Rio de Janeiro, a festa promoveu o encontro entre aqueles que acompanharam o seu nascimento e os mais novos, como a vocalista da banda Pato Fu, Fernanda Takai, e a banda Bossacucanova, que mistura a Bossa com música eletrônica.
A atriz e cantora Thalma de Freitas e o produtor Mièle contaram passo a passo os momentos importantes da Bossa Nova, como a peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, passando pelo apartamento de Nara Leão, pelo Beco das Garrafas até os trabalhos mais recentes.
O diretor musical do espetáculo, Roberto Menescal, falou sobre o evento.
Esse é um momento muito especial porque faz a gente pensar um pouco que valeu tudo o que a gente fez. Completamos 50 anos não de uma coisa passada, mas de algo que está vivo até hoje.
O show contou com a presença de Bossacucanova, Carlos Lyra, Emilio Santiago, Fernanda Takai, João Donato, Leila Pinheiro, Leny Andrade, Marcos Valle, Oscar Castro Neves, Roberto Menescal, Wanda Sá e Zimbo Trio.
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