sexta-feira, 2 de maio de 2008

O poeta não morreu

Paulo Ricardo, Caetano Veloso e Ney Matogrosso
Cazuza é homenageado no dia do trabalhador

No ano em que completaria 50 anos, Cazuza é homenageado por artistas de sua geração e da nova em um show promovido nas areias de Copacabana, na noite fria de 1 de maio, dia do trabalhador.

Homem de muitas palavras e poucos modos, Agenor de Miranda Araújo Neto ainda influencia muitas bandas e suas letras são cantadas por quem ainda nem era nascido quando o rebelde vocalista do Barão Vermelho nos deixou, em 7 de julho de 1990.

Considerado um dos mais importantes poetas da música brasileira, o homem que queria uma ideologia para viver foi homenageado por grandes amigos e parceiros, como Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Rodrigo Santos e outros.

Antes de Ney Matogrosso subir no palco para cantar “O tempo não pára”, “Por que a gente é assim” e “Pro dia nascer feliz”, um grande telão exibia imagens da Sociedade Viva Cazuza, fundada por seus pais após sua morte para dar assistência a crianças carentes portadoras do vírus da Aids.

Um dos grandes poetas da MPB

Primeiro cantor a regravar suas letras, Ney foi aclamado por um público de aproximadamente 60 mil pessoas.

Após sua bela interpretação, novamente as atenções se voltaram para o telão, que exibiu cenas do filme “Cazuza”, lançado em 2004. Também foi exibido “O poeta está vivo”, interpretado por Barão Vermelho, no DVD “MTV Ao Vivo”, lançado em 2005.

Leoni subiu ao palco em seguida para tocar “Minha louca vida” e “Mal nenhum”. Após o show, ele falou um pouco sobre Cazuza e sua canção predileta.

“Cazuza foi um dos grandes poetas da Música Popular Brasileira e deixou uma obra muito importante. Ele era meu amigo, meu parceiro e estou muito emocionado de estar aqui”.

Grande influência


O cantor acredita que Cazuza ainda hoje influencia muitos letristas e poetas porque ele tinha uma abordagem da vida muito sincera.

“Ele não tinha medo de colocar a cara a tapa, tanto que depois dele perdeu-se isso. Os artistas procuraram ficar politicamente corretos, ninguém podia falar mal de ninguém, tinha que falar o que a mídia esperava. A gente perdeu essa capacidade de ser livre pra falar o que a gente quer e ele inspira muito isso, na atitude. E ele faz muita falta, só não faz mais falta porque ele deixou toda essa obra que a gente pode revisitar na hora que der saudade”, completa.

Os dois são donos de belas canções, como “Garotos” e “Exagerado”, mas Leoni aponta a sua preferida.

“Tem uma música que me emociona muito que é “Ideologia”, porque as grandes idéias acabaram, as ideologias acabaram. Vivemos num mundo individualista, onde você tem que procurar se dar bem, ganhar dinheiro, se adaptar às idéias e o Cazuza tinha essa coisa de querer uma ideologia, de querer acreditar em alguma coisa, que o homem pode ser solidário, libertário e essa música é uma síntese desse pensamento”.

Exagerado

Quem também estava muito emocionado era Paulo Ricardo, ex-líder da banda RPM. O cantor foi um dos últimos a subir no palco e interpretou “Ponto Fraco”, “Ideologia” e “Exagerado”, ao lado de Leoni e Preta Gil.

“Se eu tivesse que definir o Cazuza em uma palavra ela seria “exagerado”. Ele sabia fazer com que as pessoas se identificassem com o que ele estava falando porque ele era muito verdadeiro. À medida que ele se abria ele criava coragem nas outras pessoas para elas fazerem o mesmo”, comenta.

Paulo Ricardo garante que Cazuza era fiel ao que dizia. Suas atitudes convinham com suas canções, que retratavam seu modo de agir, seu pensar.

“Cazuza foi um avatar, um pioneiro da nossa geração e era um cara que realmente fazia tudo aquilo que ele cantava. Ele virava a noite na loucura com muita intensidade e, mesmo na fase terminal, continuava com a mesma postura, sem nenhum traço de arrependimento ou falso moralismo”.

Sobre um possível Cazuza de hoje, Paulo Ricardo garante que ninguém relevante, nem na música, nem na literatura consiga transmitir o que ele foi.

“Eu não vejo aquela língua afiada dele em ninguém”, afirma.

O lado MPB

E se Cazuza estivesse vivo? Será que ele continuaria rock’n’roll? A verdade é que, em suas últimas canções, Cazuza estava muito mais inclinado para a Bossa Nova e a MPB do que para o rock. Já em carreira solo – o cantor se separou do Barão em 1985 – seu som estava mais limpo e apresentava traços de um Cazuza mais light, como em “Codinome Beija-flor” e “Faz parte do meu show”.

“Eu sentia que o Cazuza estava se voltando cada vez mais para a MPB. Eu acho que ele não ia se identificar muito com o rock de hoje”, comenta Paulo Ricardo.

O fato é que Cazuza ultrapassou gerações e a prova disso foi o encontro de diferentes idades neste show que homenageou o trabalhador das palavras.

Participaram da festa Ney Matogrosso, Leoni, Sandra de Sá, Preta Gil, Zélia Duncan, Arnaldo Brandão, George Israel, Angela Ro Ro, Rodrigo Santos, Caetano Veloso, Gabriel, O Pensador, Liah e Gabriel Tomás.

Samba é homenageado com grande estilo

Batuque na Cozinha
Bandas contam um século de samba na Lapa

Um século de samba é contado no show “Samba em quatro tempos”, realizado pelas bandas Casuarina, Anjos da Lua, Batuque na Cozinha e Galocantô, no último dia 30, na Fundição Progresso, Lapa – RJ.

Os grupos deram uma aula desde o primeiro samba registrado, “Pelo Telefone”, de Donga, datado de 1917, até os mais atuais, de Zeca Pagodinho e Beth Carvalho.

O Casuarina abriu a noite com sambas de Ary Barroso, Donga e Assis Valente. O grupo empolgou ao tocar “Palpite Infeliz”, de Noel Rosa, “Minha Filosofia”, de Aluisio Machado e sucesso de seu primeiro álbum, e “Sem Compromisso”, de Chico Buarque. Ao passar a bola para a segunda banda da noite, o Casuarina fechou com estilo, tocando “Canto de Ossanha”, de Vinicius de Moraes.

O vocalista Gabriel Azevedo explicou que o projeto, nascido há três anos, surgiu da necessidade de juntar quatro bandas muito amigas e abarcar todo esse repertório.

“Apesar de serem quatro bandas de samba, a gente tem o perfil diferente. O Anjos da Lua investe bastante no trabalho de pesquisa e o Casuarina também caminha para esse lado de resgate. Já os outros se dedicam a sambas da década de 70 pra cá”, explica Gabriel.

Numa apresentação menos empolgante, o Anjos da Lua interpretou sucessos de Zeca Pagodinho, como “Beija-me”, Orlando Silva, com “Chora Cavaquinho”, João Nogueira, com “Mineira”, e Zé Keti, com “Diz que fui por aí”.

Terceira a se apresentar na noite, a banda Batuque na Cozinha não deixou ninguém ficar parado ao tocar sucessos como “Na linha do Mar”, de Paulinho da Viola, “Quem te viu, quem te vê”, de Chico Buarque e “Espelho”, de João Nogueira. Este, inclusive, foi talvez o ponto mais alto do show.

O percussionista André Corrêa explicou que, a princípio, sua banda se uniu ao Galocantô e aí eles convidaram o Casuarina e o Anjos da Lua para fazerem um século de samba, desde o primeiro registrado até os dias de hoje.

A banda fechou com chave de ouro cantando “Acreditar”, de Ivone Lara.

Último na noite a subir no palco, o Galocantô interpretou sambas mais recentes, quando este estilo já ia para o lado do pagode.

O vocalista Rodrigo Carvalho comentou que os grupos já pensaram em gravar um CD, desde quando começaram esse projeto, mas conta que é muito difícil reunir os quatro em torno de um trabalho.

“Cada um está com seu CD e fica difícil conciliar a agenda”, comenta.

O Galocantô, inclusive, lançou um show inspirado no livro “No princípio era a roda”, do jornalista Roberto Moura. Rodrigo explica que a obra é o víeis do “Samba em quatro tempos”.

“Ele era um grande conhecedor de samba, estava em todas as rodas e merece essa homenagem”, comenta Rodrigo.

O Samba em Quatro Tempos começou em 2006, no Circo Voador, também na Lapa. Os grupos procuravam conciliar os shows nas férias escolares, sempre às terças. Depois o projeto migrou para a Fundição e cada banda lançou seu CD, o que dificultou sua continuidade. Com sua volta, as bandas pretendem agora fazer essa bela roda de samba ao menos uma vez por ano.